outono a tarde cai
penso apenas
em minha mãe e meu pai
Yosa Buson (tradução de Paulo
Leminski)
PÃO E VINHO
Quinita Ribeiro Sampaio
I
Minha mãe
lavava a roupa no tanque.
Fazia espuma de sabão
com um cabo de vassoura.
(Que nem criança
ficava olhando arco-íris
nas bolhas.)
Depois
em folha de zinco
quarava sua roupa ao sol.
Meu pai dizia-lhe minha flor.
E eu pensava
— Um dia vou ter um homem assim.
II
Minha mãe me dizia Joaquinita.
Tinha voz de veludo.
No fogão a lenha
fazia a goiabada cascão
no tacho de cobre.
(Sua face esfogueava.)
E em silêncio rezava ladainha
bendizendo o Senhor.
No chuveiro
eu tomava banho frio
com sabonete Eucalol.
E cantava.
Subia nas árvores.
Com os dentes
descascava manga-espada
descascava manga-espada
agridoce
ainda morna do sol.
Tudo era certo e natural.
Minha mãe estava ali,
meu pai por perto.
Acreditava
que ia durar para sempre.
III
Nunca ouvi minha mãe
cantar.
Minha mãe tinha passos
silenciosos.
Meu pai
enxertava flor-de-maio
colhia favos de mel
e fazia versos.
Eu cantava you are always in my
heart
e ouvia
em ondas curtas
a BBC de Londres.
Não entendia nada.
Mas ficava fascinada.