
26 de janeiro de 2009
Em reforma

24 de janeiro de 2009
Há crise
Focalizaram bem o rosto da Fátima Bernardes, como agora por vezes fazem com os apresentadores do Jornal Nacional. Um semissorriso foi aberto para os telespectadores, acompanhado de uma feição feminina e carinhosa por parte da apresentadora. A notícia só poderia ser boa, pensei. Se não boa, branda. Algo como o nascimento de um urso-panda na China.
Meu engano percebi quando, sem perder a serenidade, Fátima introduziu o assunto da matéria que seguiria: ‘em tempos de crise, um assunto muito importante vem à tona: vale a pena, para os empregados, negociar direitos trabalhistas em troca de não serem demitidos?’.
Ora, não sou especialista em leis trabalhistas ou na relação trabalhador-empregado. Entretanto, no período de prosperidade que antecedeu a crise, quando a economia mundial estava em acelerado crescimento, não vi empresários propondo divisões de lucros, revisões de leis trabalhistas em benefício dos trabalhadores ou aumentos significativos de salários. Ao menos, nada foi veiculado no Jornal Nacional, se é que algum empresário agiu dessa maneira.
Como do assunto pouco entendo, não quero me alongar em críticas. Mas em minha mente leiga sinto martelar uma injustiça bastante evidente. Quando não há crise, os lucros, exorbitantes, aliás, têm destino definido – os bolsos dos patrões. Mas quando a crise existe... Parece-me inverossímil, sinceramente. Mas ao Jornal Nacional, pelo jeito, não. Desde o semissorriso da Fátima Bernardes até a exibição da matéria em si, passou-se a impressão, para quem estava em casa, de que a revisão das leis trabalhistas era algo natural, consequente do atual momento de crise. Como de praxe, a simples maneira como um assunto é introduzido no Jornal Nacional já é parcial. Já é manipuladora e tendenciosa, seja na feição simpática de Fátima para defender os empresários ou na entonação taciturna de Bonner para incriminar uma ocupação sem-terra. Invasão, aliás.
23 de janeiro de 2009
Calabar
A peça conta com algumas das mais maravilhosas músicas de Chico Buarque, em parceria com Ruy Guerra, como Fado Tropical. Estão reunidas no álbum de 1973, com o título 'Chico Canta', já que a palavra 'Calabar', de 'Chico Canta Calabar', fora também censurada.
Mais dos que as belas canções, entretanto, o que me atrai nesse início de leitura (que deve amanhã se encerrar, a peça é curta) é o modo como o tema 'traição' é tratado. A traição de todos. Todos os personagens da trama carregam o peso de alguma traição, e o bode expiatório é Calabar. Esse tema me remete a outro livro, que li há poucos meses: A Queda, de Albert Camus. Nele, através do monólogo do personagem que se auto-defini "juiz-penitente", Camus mostra que a culpa é coletiva em uma sociedade. Todo homem carrega a sua e julga a de seus próximos, bem como tem, por eles, a sua julgada. "Uma vez que somos todos juízes, somos todos culpados uns perante os outros, todos cristos à nossa maneira vil, crucificados um por um, e sempre sem saber", diz.
"E sempre sem saber". Frasezinha pra ficar na cabeça. Pra nos atormentar em relação ao conceito tão estupidamente incompreensível que é o da culpa. Bem como é o da traição. Imagine, então, quando, a partir da "traição", alguém tem sua "culpa" escancarada para a história.
8 de janeiro de 2009
Táxi
6 de janeiro de 2009
A roupa velha do rei
A indignação que tive dia 25 não vou conseguir expressar, agora, por aqui. Aquele dia, resumindo, achei que o Rei parecia de mentira. Mas o tempo passou. O tempo passou e eu mudei de ideia. O Rei não parece de mentira. O Rei é de mentira. E eu queria que todos o vissem nu, com ou sem meus olhos infantis.
3 de janeiro de 2009
Fezinha
Somente a companhia das pessoas colaborava para que permanecesse na fila: todos com cara de quem está em um cartório lotado. Joaquim não tinha obrigação de gastar alguns mangos em um bilhete e depois perder, mas a companhia das pessoas, a companhia íntima velada em rostos apáticos, fazia-o permanecer na fila. Contaminava-o do sentimento de obrigação coletiva, que fazia com que todos permanecessem em pé, esperando. Insistir na fé. A obrigação de se insistir na fé desgostosa que é a dos que tentam ter fé. Meia hora, uma hora, perdera a noção de há quanto tempo esperava para chegar ao caixa. Mas sua vez chegou. Retirou do bolso uma nota úmida e amassada de cinco reais. Antes de comprar, olhou para trás, para seus companheiros de fila: Maria de braços cruzados, Antoninho secando a fronte com seu lenço de pano, Arnaldo tossindo e denunciando seus problemas pulmonares. Uma penca de pessoas carregando nas costas o peso de acreditar, acreditar, acreditar. “Eu não vou ganhar nada, ninguém vai ganhar nada”, pensou enquanto levantava a cabeça para fazer o pedido à moça do caixa:
— Quero o que está neste papelzinho aqui — e mostrou os números rabiscados na tira de jornal — sonhei com ele, meu amor. Pode apostar que essa eu levo.